Como criar um ecossistema de tecnologias quânticas no Brasil

Brazil Quantum
6 min readDec 18, 2020

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Por: Rafael Veríssimo(Cofundador Brazil Quantum)

Tecnologias emergentes podem ter um impacto enorme na economia e na qualidade de vida de um país. Ciência e tecnologia são os grandes diferenciais dos países mais desenvolvidos, assim como as maiores empresas do mundo atualmente são do ramo de tecnologia. A Brazil Quantum tem certeza que tecnologias quânticas terão grande impacto no futuro. Será um grande desafio criar um ecossistema inovador e próspero de forma que possamos usufruir dos benefícios dessas tecnologias em nosso país. Isso porque esse ecossistema envolve diversos agentes que devem trabalhar juntos para o seu sucesso. São eles os empreendedores, universidades e centros de pesquisas, investidores, aceleradoras, empresas e governo. texto, queremos discutir quais ações podem ser tomadas para fomentar esse ecossistema e comentar alguns desafios que enfrentamos atualmente, não só a nível de tecnologias quânticas, mas no desenvolvimento de ciência e tecnologia no Brasil.

I. Capital Humano

Um primeiro aspecto importante para o desenvolvimento de qualquer área de ciência e tecnologia é ter mão de obra qualificada e empreendedora. No contexto de tecnologias quânticas, não precisamos necessariamente desenvolvê-las no Brasil, mas precisamos de pessoas que tenham a capacidade de utilizá-las da melhor forma possível. Por exemplo, muito provavelmente não teremos um computador quântico brasileiro em qualquer momento dos próximos anos, mas precisamos de pessoas que entendam dessa tecnologia e possam fazer uso dela para melhorar serviços e empreender.

Um grande desafio para o Brasil nesse aspecto será nossa educação. Não é novidade para ninguém que a educação no Brasil tem muito a melhorar. No PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) de 2018 o país ficou em 57º lugar entre 77 nações. Em relação aos nossos vizinhos,o Brasil foi o último em matemática na américa do sul, empatado com a Argentina. Além disso, junto do Peru e Argentina, o Brasil teve a pior colocação em ciências.

Em termos de produção científica não estamos tão mal assim. O Brasil aparece como 17º colocado tanto em termos de publicações como em total de artigos citados. Contudo, se Brasil quiser despontar como referência em ciência e tecnologia, além de melhorias na qualidade da nossa educação, iremos precisar de mais mão de obra qualificada. Em 2014, o Brasil ficou classificado como o 3º país com maior nível de falta de pessoas qualificadas, atrás do Japão e da Índia e em áreas de ciência, matemática, engenharia e tecnologia essa defasagem pode ser ainda maior.

A discussão a respeito de como podemos melhorar a educação no nosso país é grande e complexa, e falarmos sobre o papel dela na formação das pessoas que no futuro trabalharão com tecnologia quântica merece um texto por si só. Contudo, existem várias ações que podemos começar a tomar hoje que podem contribuir no desenvolvimento dessas pessoas. Primeiramente, programas específicos para desenvolver os talentos brasileiros são essenciais para o crescimento dessa comunidade. Isso pode ser feito através de cursos, workshops, seminários, meetups ou hackathons.

Um segundo aspecto é que um ecossistema de sucesso precisa adquirir uma quantidade mínima de pessoas para realmente decolar, o que é um grande desafio em áreas em que a barreira de entrada já é alta, como é o caso de tecnologias quânticas. Uma forma de solucionar isso é incluir o máximo de pessoas possível. O ambiente deve ser acessível para iniciantes e não deve ser limitado a pessoas de ciência, engenharias e afins. Precisamos de mais pessoas interessadas no assunto, independente das suas áreas de formação, e elas poderão desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento do ecossistema. No livro Ponto de Virada, Malcolm Gladwell articulou a “Law of the Few” no qual ele identifica três tipos de pessoas essenciais para o sucesso de qualquer fenômeno social. As categorias são:

I. Connector: São pessoas que possuem uma grande rede de contatos e que permite conexões importantes dentro do ecossistema. Essas pessoas ajudam a criar o tipo de cultura aberta e colaborativa pela qual o Vale do Silício é famoso.

II. Maven: São pessoas com conhecimentos específicos, sobre o mercado e a indústria, e que facilitam o crescimento do ecossistema através de informações e ideias importantes.

III. Salesperson: A construção de um ecossistema inovador envolve muitos processos de vendas, seja para organizações fora da comunidade cujos serviços e recursos seriam úteis para o ecossistema ou para a própria comunidade, levando-os a participar de eventos e atividades. Tudo isso requer grande capacidade de persuasão.

Por fim, a criação de roadmaps e pathways pode auxiliar muitas pessoas que desejam entrar na área, mas ainda não sabem como. Nesse ponto, mentores podem ser essenciais para auxiliar pessoas que estão começando a entender qual o melhor caminho, seja para virar um pesquisador, um empreendedor ou qualquer outra coisa.

II. Investimento

O segundo aspecto relevante no desenvolvimento do nosso ecossistema de tecnologias quânticas é o investimento. Isso é importante tanto para desenvolvimento de pesquisas, como auxiliar empreendedores e até mesmo permitir organização de eventos, divulgação e etc. Porém, o cenário não é muito animador. Em 2017, o Brasil figurava em 27º lugar em termos de porcentagem do PIB investido em pesquisa e desenvolvimento, com apenas 1,3%. Para termos de comparação, o primeiro lugar é a Coreia do Sul, com 4,3% do PIB investido em P&D, e países como EUA e China, que são os maiores investimentos em termos absolutos, aparecem com 2,7% e 2% respectivamente.

Vale ressaltar alguns aspectos importantes desses dados. O primeiro deles é que no Brasil, mais do que a quantidade de recursos sendo aplicados em P&D, precisamos alocar esses recursos de forma mais efetiva e inteligente. O segundo aspecto é que esses investimentos vêm diminuindo desde então, assim como já tinha diminuído de 2015 para 2017. Descontada a inflação, a área de CT&I dispõe de orçamento assemelhado ao de 2001.

Olhando para iniciativa privada, o cenário não é melhor. Enquanto em países da OCDE as empresas investem em média o valor equivalente a 1,3% do PIB, no Brasil esse valor é menos da metade, com 0,6% do PIB. Contudo, a parceria com empresas do setor privado e investidores individuais é provavelmente o caminho mais rápido e fácil para conseguir investimentos. Diversas empresas no mundo todo estão utilizando modelos de parceria para começar a avaliar as aplicações de tecnologias quânticas em seus modelos de negócios e isso pode ser replicado no Brasil. Também precisamos buscar incentivos e investimentos governamentais, contudo isso é um projeto de mais longo prazo visto que os processos são mais difíceis e burocráticos.

III. Visão Estratégia

Por fim, o desenvolvimento de um ecossistema exige uma visão do que aquela comunidade quer alcançar ao longo do tempo. Por isso, é essencial que os líderes construam junto com seus integrantes uma imagem de como o futuro deve ser. Porém, diferente de diversos países do mundo, o Brasil ainda não tem nenhum tipo de planejamento ou estratégia para começar a desenvolver tecnologias quânticas nacionalmente. Parece que o Brasil sequer tomou conhecimento da existência dessas novas tecnologias e isso é preocupante. Sem uma visão de onde queremos chegar, certamente não sairemos do lugar. Isso é verdade para qualquer área. Inclusive, em 2020 o Brasil ficou na posição 63º no ranking de preparação dos governos para a inteligência artificial publicado pela universidade de Oxford. Um dos principais fatores que o Brasil perdeu em relação aos demais países foi a falta de uma visão estratégica para o desenvolvimento dessa área. Dito isso, precisamos desde já começar a criar um planejamento para o desenvolvimento de tecnologias quânticas no Brasil.

A Brazil Quantum surgiu em 2020 com o objetivo de ajudar em alguns desses aspectos e em 2021 queremos fazer ainda mais pelo ecossistema de tecnologia quântica no Brasil. Deixo aqui o convite para todos os interessados, desde especialistas em computação quântica até pessoas que não saibam nada e não sejam da área, a contribuírem com essa caminhada. Precisamos de todos vocês.

Referências:

  1. https://www.weforum.org/agenda/2016/07/countries-facing-greatest-skills-shortages/
  2. https://recontaai.com.br/a-ciencia-faz-muito-pelo-brasil-quanto-o-brasil-faz-por-ela/#:~:text=Em%202020%20espera%20chegar%20a,patina%20em%200%2C6%25.
  3. http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/pisa-2018-revela-baixo-desempenho-escolar-em-leitura-matematica-e-ciencias-no-brasil/21206
  4. https://www.scimagojr.com/countryrank.php?order=au&ord=desc

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